#23 Existe isso de geração em K-Pop?

 

Banner do texto 23 com título e identificação do Twitter. Foto de fundo: SM Family Wallpaper.


#23 Existe isso de geração em K-Pop?

Twitter: @NEscapism

 Não é de hoje que fãs de música pop coreana discutem sobre as diferenças entre os grupos recentes e aqueles que solidificaram a popularidade do gênero no ocidente a alguns anos atrás. Dentro dessa discussão e de outras que envolvem grupos de um mesmo período de tempo, é uma questão de tempo até a palavra geração aparecer. Também não é uma novidade que alguns fãs, geralmente os mais velhos, se propõe a sistematizar a história do gênero para entender quais foram os caminhos trilhados até chegarmos aqui, uma época em que muitos grupos têm a possibilidade de receber atenção de uma grande plateia internacional logo no começo de suas carreiras. Durante o mês passado eu me peguei pensando se existia algum tipo de consenso dentro desse tópico de discussão, algo que seria compartilhado pelas várias teorias de fãs pela internet.

 Veja bem, mesmo aparecendo em muitas discussões, o conceito de gerações dentro do K-Pop não era algo oficial (e nem um conceito constante, mas vamos chegar lá), já que a mídia do país tem uma ideia diferente dos fãs internacionais em fóruns quando a questão é categorizar uma geração de idols. Inclusive, eu já tive várias conversas com o intuito de tentar delimitar essas "gerações" com os poucos amigos que também curtem esse tipo de música e mesmo entre poucas pessoas é difícil estabelecer o que marca uma geração ou não. O intuito desse texto era produzir um apanhado de várias classificações diferentes da história do K-Pop e, durante a fase de pesquisa, me deparei com uma diversidade de argumentos e proposições muito divertidas de se discutir, nesse que deve ser o tema de texto mais nichado que eu já escrevi sobre.


 Então, existe isso de geração em K-Pop?

 Se eu fosse responder de forma rápida, sim. A cultura e a língua coreana apresentam vários indicativos de que a idade é um marcador importante para a sociedade. De forma sequencial, a relação que os cantores apresentam com seus pares é diferente do que a que eles vão ter com os grupos mais velhos e mais novos (e mesmo dentro de um grupo pode existir diferenças marcantes em relação a idade). Mas não estamos falando sobre isso, que é observável em vídeos de bastidores ou por quem tentou entender um pouco sobre a cultura base do produto que está consumindo. Estamos falando sobre gerações no sentido amplo, buscando uma relação entre a idade de um certo de grupo de atos musicais e seu impacto na indústria da música. Bom, se estamos falando sobre impacto na indústria da música, provavelmente temos bem delimitado quais são os balizadores que vão definir as gerações, certo? Todo mundo concorda na determinação de quem mudou os paradigmas ou quando eles mudaram, não é? Não. Ninguém concorda 100%. Quero dizer, mais ou menos. O começo é quase sempre o mesmo em todas as classificações que eu encontrei, mas todo texto que li trabalha com diferentes concepções sobre uma mesma linha do tempo de grupos, que muitas vezes estava ligada a uma preferência particular ou influenciada pelas vivências de cada pessoa.

Ah, mas você está falando isso porque a sua foi assim!

 Comentarista em itálico, você é bem inconveniente às vezes. Sim, as minhas ideias de onde uma geração começa e outra termina eram muito mais alinhadas com o que eu consegui experienciar e consumir da cultura pop coreana. Por exemplo: eu tinha um foco muito maior para o que rola no lado dos grupos femininos, que eu acompanho mais do que os masculinos e os solos. De forma geral, o critério com maior prioridade para a determinação das gerações na minha concepção são os grupos das três grandes empresas de entretenimento (SM Entertainment, YG Entertainment e JYP Entertainment). Então, antes de começar a pesquisa, a ideia que eu tinha era a seguinte: a primeira geração foi formada pelos grupos dos anos 90 até a primeira metade dos anos 2000, com representantes como S.E.S, Fin.K.L, BoA, Shinhwa, etc.; a segunda geração começou na metade dos anos 2000 e foi até a metade dos anos 2010, sendo marcada por grupos enormes como Wonder Girls, SNSD, Kara, T-Ara, Super Junior, Big Bang, 2ne1, f(x), SHINee, e muitos outros que provavelmente foram as primeiras músicas em coreano que uma grande parte da galera ouviu; a terceira geração é da segunda metade de 2010 e que provavelmente está terminando agora, e conta com Red Velvet, TWICE, BlackPink, I.O.I, etc.; e a quarta ainda não está completamente formada, mas deve contar com quem veio depois desses grupos (LOONA, Itzy, os próximos grupos da YG e da SM, G-IDLE, etc.). Além dessa classificação por ano de estréia, existem alguns pontos fora da curva que não são óbvios, por exemplo: eu não sei muito bem onde encaixar o BTS, já que eles foram formados em 2013 (final da segunda geração) mas ficaram extremamente famosos só na terceira. O que poderia ser um desempate é o fator impacto na indústria, tornando o BTS um grupo da terceira geração.


 Uma parte importante nessa discussão é tentar entender as motivações por trás das diferenças entre o pensamento dos mais variados tipos de fãs. Na análise do que outros pessoas escreveram antes de mim, eu tentei prestar atenção em quais seriam os pontos em comum para tentar montar algo que contemplasse o pensamento da maioria. A primeira que eu encontrei foi postado na rede social Amino e é de alguns anos atrás (2015), ou seja, muita coisa mudou desde que esse texto foi postado. Porém, eu acho que é interessante analisar o que foi escrito pois, como a sistematização dos fatos só acontece muito depois deles acontecerem, acredito que a perspectiva do texto foi não levar em consideração o que aconteceu durante aquele ano, por exemplo.

 O texto descreve a 1ª geração falando sobre suas músicas dançantes e passos de dança memoráveis até hoje. Nela se encontram os principais grupos dos anos 90 (H.O.T., Turbo, g.o.d., Fin.K.L, etc.). A 2ª geração seria a apresentação do K-Pop para o mundo: TVXQ, Super Junior, Big Bang, Brown Eyed Girls, Wonder Girls e outros faziam parte de uma era fofa e comportada (grandes discordâncias aqui, mas seguindo). A 3ª geração é marcada pelo estilo flower boy com incorporação de aspectos de Hip Hop. Entram nela SHINee, 2ne1, Teen Top, BEAST, Infinite, 4Minute, Miss A, Sistar, e muitos outros que seguem a linha da geração anterior só que com a adição das influências Hip Hop na sua música, dança e estilo. A 4ª geração traz como novidade a mistura de tudo com o conceito sexy, e é representada por atos como EXO, AOA, Apink, EXID, VIXX, Block B, Got7 e Winner. O texto deixa bem demarcado que a partir daqui os conceitos sensuais ficaram mais frequentes do que em outras gerações.

 De primeira esse foi um texto difícil de não criticar. Acho que uma das coisas que eu mais discordei foi a conceitualização da 2ª geração como sendo somente fofa. Sim, os conceitos inocentes exercem uma grande influência nessa fase, mas essa é meio que uma constante na indústria (inclusive uma das que mais difere ela do mercado estadunidense) e nada foi feito ali que tivesse muita diferença do que acontecia nos anos 90 ou no começo da década. Ao contrário disso, por exemplo, a segunda geração popularizou a ideia de que os grupos deveriam ter pelo menos um membro na função de rapper, que antes eram muito mais comuns como solos ou dentro de grupos inteiros de Hip Hop. Em relação às gerações em si, acho que as mais recentes ficaram um pouco sem personalidade demarcada, então fico em dúvida se elas seriam diferentes o suficiente para serem consideradas gerações ou se não seriam fases de uma grande geração única.


 Pulando alguns anos para frente, encontrei uma discussão no subreddit (r/kpop) de 2018 que permeia justamente esse tema: qual a melhor maneira de delimitar uma geração. A discussão em si é bem longa e com certeza não deve ter sido a única, mas como ainda faltam coisas a serem expostas no texto, separei alguns argumentos como destaque (tudo pode ser conferido nos links no final do texto).

 O primeiro que eu gostaria de dar destaque tem a ver com as relações econômicas dentro da história do K-Pop: durante as primeiras décadas, era muito difícil formar um grupo que fosse estável no mercado. Era necessário investimento pesado e nem sempre existia uma prova de que haveria retorno em um futuro próximo. Devido a  essa necessidade de capital inicial, e por serem capitaneadas por pessoas que já tinham feito parte do cenário musical e que portanto tinham o conhecimento de como um grupo poderia fazer sucesso, as três maiores empresas (SM, YG e JYP) comandavam os inícios de geração com seus novos grupos. Só mais recentemente aconteceu o boom no número de grupos do gênero por empresas menores e nem tanto conhecidas, já quando estava comprovado a rentabilidade do negócio e a oportunidade de expansão para mercados exteriores.

 Apesar dos critérios não serem constantes, como já tinha exposto, existe uma geração (ou parte dela) que pode ser reunida por uma característica singular. Em 2015, a JYP formou o seu novo grupo feminino através de um programa de reality show no estilo sobrevivência através da emissora coreana Mnet. Das 16 participantes do Sixteen, 9 foram selecionadas para compor TWICE, um dos maiores grupos da indústria atualmente. Um ano depois, em 2016, a emissora lançou a sua própria franquia de reality shows de sobrevivência, Produce 101, que deu a luz a grupos de enorme popularidade e que rivalizavam até aqueles produzidos pelas três maiores coreanas: I.O.I (2016); Wanna One (2017); IZ*ONE (2018); e X1 (2019). Além dos quatro, uma onda de programas similares deu origem a vários outros grupos marcados pelo mesmo apelo popular de seleção de idols. Infelizmente, uma série de controvérsias relacionado a produção da franquia Produce deu fim a febre de programas de sobrevivência no ano passado (2019) e provavelmente não veremos um fenômeno parecido por um bom tempo.


 Dois outros comentários rápidos da discussão merecem ser destacados. O primeiro já foi compilado nesse texto: a delimitação de gerações é sempre retroativa, então só saberemos que uma geração passou depois de anos que ela aconteceu. O segundo é um tanto polêmico (e até serviria de tema para um texto próprio): para que as empresas possam renovar o sucesso de um certo conceito em uma próxima geração (ou se eles tiverem mais interesse em fazer algo novo do que dar o suporte para seus contratados), muitas vezes grupos antigos serão "sacrificados" para o sucesso de novos que sejam similares.

 Por fim, um usuário argumenta que um geração dentro do K-Pop tem forte relação com a geração na sociedade no geral. Devido a juventude coreana ser a base consumidora do gênero, aqueles que torceram e fizeram parte do sucesso de grupos como Shinhwa não são os mesmos que contribuem para a fama do BTS. Existe uma diferença geracional entre os fãs que crescem ouvindo um grupo de artistas da época e vão se tornando cada vez menos inclinados a procurar os grupos mais novo devido a idade.

 Eu queria partir para os finalmentes, porém existe mais uma perspectiva que eu gostaria de explorar. Ela se consolida com definições relacionadas ao tempo e a expansão do gênero do K-Pop para territórios internacionais, o que a faz bem interessante aos meus olhos de fã não-coreano. Ao invés de tentar definir as gerações por estilos, o site KpopStarz fez uma lista em 2019 mais preocupada com os efeitos da indústria no mundo. EU acho que a lista fez uma diferenciação melhor do que a anterior (2015), porque ela acompanha mais a abertura do gênero para o público e os produtores não-coreanos.

 Segundo o site: a 1ª geração (1990s ~ 2000s) começa com Seo Taiji and Boys e a música I KNOW, marcando a influência do pop ocidental daquela época na música coreana de forma generalizada, abrindo as portas para artistas cada vez mais experimentais; a 2ª geração (2003 ~ 2009/2010?) é marcada pela onda coreana em expansão, não só pela Ásia mas pelo mundo inteiro; e na 3ª geração (2011 ~ 2018/presente) a música se tornou mais moderna, a indústria mais inclusiva com artistas de diferentes origens e o vírus K-Pop se espalha para novos patamares ao redor do mundo.


 Estamos quase no fim, só mais um pouquinho agora.

 A ideia inicial desse texto era tentar juntar as principais características e critérios em uma grande classificação que pudesse servir de síntese. Entretanto, em 2020, a revista digital de crítica coreana IDOLOGY publicou um artigo justamente com o mesmo intuito. Essa proposta específica de linha do tempo baseada em gerações (a tradução pelo site Koreaboo pode ser encontrada no final do texto) não representa um ponto final na discussão em si, mas acho que a revista trás uma perspectiva mais profissional para um trabalho amador que eu tinha me proposto a realizar, então decidi trazê-la aqui. O interessante é que a linha do tempo contém algo que a discussão do subreddit também aponta: dentro de gerações maiores ocorrem inovações que impulsionaram o K-Pop até a quebra de paradigmas. O raciocínio é o seguinte:

 Como todas as outras, a Geração 1.0 se inicia na formação do fenômeno nos anos 90, como uma fusão entre a cultura local, as boy bands ocidentais e a cultura idol japonesa. Partindo do que foi feito na 1.0, mas antes da 2.0 nascer, surgem grupos experimentais que solidificam uma Geração 1.5 (lá pelo começo dos anos 2000), quando ocorrem as primeiras tentativas de exportar o gênero para países do leste asiáticos interessados, como China e Japão (é nesse momento que o termo onda hallyu surge, muito usado quando eu comecei a acompanhar o gênero, mas que agora meio que caiu em desuso). Em meio a uma crise econômica, a Geração 2.0 (final da década de 2000) surge com uma enorme comercialização da cultura K-Pop, tornando a indústria do entretenimento uma das mais lucrativas do país. Muito do modelo de negócios presente até os dias de hoje se desenvolveu nessa fase, assim como o ensaio de dominação mundial com através de turnês internacionais. A Geração 2.5 aparece depois com grupos mais experimentais e multifacetados, preparados para apresentar talentos além do canto e da dança. O crescimento do YouTube nessa época também ajudou a expor uma cultura ainda muito nichado para os holofotes da internet, como aconteceu em 2012 com Gangnam Style do PSY. A Geração 3.0 (já no meio da década de 2010) chega com a expansão inegável ao redor do mundo, quando começam a se destacar grupos que buscam juntamente entreter o público de outros países, tanto na música quanto nas mídias sociais, que se tornam uma ferramenta insubstituível para promoção ao redor do globo. Também aparecem aqui o desenvolvimento de conceito dos grupos, como uma forma de aprofundar mais ainda o consumidor no universo dos artistas. A Geração 3.5 é marcada pelos programas de sobrevivência a partir de 2016, quando a opinião do público se transforma rapidamente na força motriz de atos inteiros. O desejo dos fãs locais e internacionais se torna muito mais poderoso do que em momentos anteriores. Por fim, a Geração 4.0 é o momento atual. Já não existem mais tantas barreiras geográficas e a cultura pop coreana não precisa ser restrita ao seu local de origem. Existem cada vez mais grupos com projetos internacionais, colaborando com artistas ocidentais e produção do gênero (música, coreografia, produção de vídeos, cenários, etc.) já ultrapassou os limites da península coreana.


 Não só como cultura local, o K-Pop se tornou algo consumido por muitas pessoas ao redor do mundo.  Apesar da produção não ser mais restrita, o país ainda é o epicentro de toda uma cultura popular e os acontecimentos locais podem influenciar a progressão de uma indústria que cresce cada vez mais em consumidores. A dicotomia entre algo originário de um espaço geográfico tão pequeno ter uma influência tão grande na vida de muitas pessoas em diversos contexto fez com que uma multidão se debruce para tentar explicar qual os atrativos de tal fenômeno. Como chegamos na presente escala de popularidade? Como idols de K-Pop chegaram a ter visibilidade em tantos continentes?

 No fim, acredito que tentar analisar a história dessa massiva produção cultural pode ser uma das chaves para entender quais as oportunidades para o futuro. Assim como a revista IDOLOGY propõe, a delimitação de gerações não deve ser uma forma de aumentar a briga entre os fandoms, mas entender qual é a história do gênero e para onde os caminhos do futuro apontam. Pessoalmente, entender a delimitação de uma linha do tempo me fez perceber a diversidade de sons e performances que ainda podem ser explorados com algumas horas no YouTube. Isso pode soar um pouco melancólico às vezes, ter perdido tal lançamento na época ou se arrepender de não ter escutado certo grupo antes dele acabar. Mas eu acho um exercício extremamente empolgante se debruçar sobre várias gerações de um gênero tão amplo e tentar procurar partes que ainda não tinham sido apreciadas.


Bibliografia utilizada:

https://aminoapps.com/c/k-pop/page/blog/generations-of-kpop/02Ik_uKlzmjP2dXXrPnWvxv2MvYrqQ

https://www.reddit.com/r/kpop/comments/844cxl/what_is_the_best_way_to_delimit_kpop_generations/

https://www.kpopstarz.com/articles/289260/20190614/generations-of-kpop.htm

https://www.koreaboo.com/lists/breakdown-kpop-4-generations-according-idology-magazine/

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