#22 Última Batalha [CD06]
#22 Crônica Digital 06: Última Batalha
Twitter: @NEscapism
Eu não me orgulho do que fiz. Eu não me orgulho de ter vomitado no banheiro, depois de ter passado uma temporada inteira na pousada. Foi uma despedida extremamente ridícula para o meu lar temporário, mas eu não podia pensar nisso por muito tempo. Limpei o que consegui e deixei que a água da torneira fizesse o trabalho dela.
O que me preocupava, além da batalha com a última Líder de Ginásio de Johto, era que a moral da minha equipe decaísse caso eles me vissem tão nervosa. Tinha passado mal a noite inteira até cair na cama e dormir feito uma pedra de cansaço. Depois de passar o dia inteiro tentando me preparar para a batalha mais importante da minha vida até agora, acordei da melhor forma que me era possível, contando com o fato da noite ter sido uma daquelas em que não se tem sonho nenhum. Fui até o banheiro para tentar dar uma acordada antes que todo mundo que estava fora da Pokébola percebesse. Era o máximo que eu conseguia fazer em uma situação dessas, deixar eles livres por uma noite para todo mundo se acalmar. Me olhei no espelho com o rosto molhado e toda a tensão saiu em forma de gorfo. Pelo menos me sinto mais leve agora.
Terminei de lutar no ginásio ontem cerca de uma hora depois que a secretaria tinha fechado então precisava voltar lá para agendar a batalha. Isso se Clair não tivesse visto os minutos finais. Na minha situação ela disse que queria adiantar a luta pois ninguém tinha ganhado de Mike e os outros treinadores com tanta proeza. Eu deveria estar feliz e confiante, mas não conseguia parar de fazer notas mentais para não me distrair. Errar agora estava fora de opção. Qual era a melhor estratégia: ganhar vantagem atacando? O que eu veria na batalha seria muito diferente das prévias com os treinadores? Ontem não tinha sido uma boa noite de preparo, era difícil deixar o nervosismo passar até agora.
(...)
"Você ainda quer me encarar menina?"
"Sim. Eu não vou desistir agora." respondi a Clair.
"Ótimo. Vamos então! Como Líder de Ginásio, não vou me conter contra ninguém!"
Batalha 01: vs. Gyarados
Slowbro e Gyarados, dois Pokémon de Água. Sem vantagens aparentes, a batalha vai ser decidi pelos ataques.
"Lambão, Bocejo!"
"Gyarados, Mordida!" exclamou o Clair com um tom cortante.
Enquanto Lambão fazia seus primeiros movimentos em direção ao oponente a monstruosa Pokémon o agarrou em sua boca. Mesmo estando colado com o seu oponente, o Bocejo do Slowbro não conseguiu acertar a adversária de forma correta e a serpente marinha se moveu de volta ao seu canto do campo de batalha.
O impacto do Mordida me fez repensar a escolha de começar com Lambão, já que a vantagem de tipos tinha se mostrado desfavorável para o nosso lado. Não seria bom perder um amigo tão resiliente de forma rápida. Seria esse o momento de fazer a primeira troca?
"Lambão, retorne!" exclamei tentando manter meu olhar firme em Clair. "Vamos, Athena!"
"Gyarados, Mordida novamente!" disse Clair, comandando sua Pokémon com uma ferocidade comparável a própria.
A Mordida atingiu Athena mas teve um efeito bem menos severo do que aquela que atingiu Lambão. Já tínhamos dado um passo a frente.
"Voar!" comandei a minha parceira Pokémon.
"Mordida!" respondeu Clair.
Enquanto a Noctowl levantava voo e se dirigia as áreas mais altas do teto, a Gyarados tentava a alcançar com a sua fúria. Sem poder atingir sua oponente, Clair decidiu trocar os comandos:
"Assim que a Noctowl descer, utilize seu Ira do Dragão."
Ao encontrar a oportunidade de acertar Gyarados, Athena desceu em forma de rasante e se chocou com o corpo da Pokémon de Água. O ataque, entretanto, não surtiu muito efeito e ela foi atingido em cheio pelo Ira do Dragão. A falta de impacto do golpe me fez repensar novamente qual seria a melhor estratégia para derrotar uma gigante como esse. Seria melhor se defender até que Gyarados se canse ou continuar atacando? Queria muito poder voltar atrás e enxergar minha reflexão no espelho de novo, talvez tivesse feito escolhas melhores. Pensar na noite mal dormida era duas vezes mais pesado agora, porque parecia ter sido mal aproveitada também. Imaginar que eu deixei Boom de fora dessa batalha já era capaz de me fazer vomitar de novo. Mas agora eu precisava pensar rapidamente e minimizar os danos.
"Volte Athena. Já que precisamos aguentar o tranco por enquanto, conto com você Ben."
O grande Pokémon entrou no campo com a determinação de vencer mais uma vez o obstáculo a nossa frente. Talvez com uma vantagem de defesa possamos avançar nessa batalha. Nenhum Gyarados que eu tinha enfrentado até agora sabia um movimento Voador efetivo, mas tudo poderia ser diferente com Clair. Enquanto formulava alguma estratégia concreta, a Líder do Ginásio soltou seus comandos e logo Ben estava sendo atingido por um Ira do Dragão.
"Mega Drano!" exclamei ao meu parceiro de batalha.
Por ser um Pokémon lento, um segundo Ira do Dragão atingiu Ben. O que me restava era rezar para o ataque não ser tão efetivo contra um gigante daqueles. Nada parecia ir ao meu favor hoje, já que mesmo utilizando um ataque que recuperava o seu vigor, o Tangrowth não parecia muito resiliente contra a serpente marinha. Decidi utilizar uma chance de recuperar a sua estamina e utilizar um dos itens que acumulei durante a jornada. Com a força e precisão dos ataques de Clair, que comandava seus Pokémon com ainda mais garra do que o seu ginásio, parecia que todos os curativos acumuladas até agora tinham um propósito claro.
"Tome um pouco disso amigo." disse calmamente enquanto entregava o Leite Moomoo para Ben.
"Ira do Dragão, Gyarados!" disse Clair.
O impacto do movimento foi reduzido pela estratégia dos itens, mas mesmo que eu utilizasse toda a ajuda do mundo a batalha não ia terminar sem algum tipo de ofensiva.
"Mega Drano!"
"Pulso do Dragão!"
Acredito que a troca de estratégia tenha deixado Clair mais atenta a uma possível vitória minha, ou ela simplesmente queria acabar com isso mais cedo. O fato é que Pulso do Dragão era bem mais forte do que os movimentos anteriores. E se ela mudou de ataque, acho que vale a pena tentar algo diferente também.
"Pulso do Dragão!" ela exclamou com os olhos fixados em mim.
"Poder Ancestral!" respondi como uma certa provocação.
Depois do disparo preciso, o Gyarados estava no chão e já não podia continuar. Tinha ganhado a minha primeira vitória contra Clair. Tentava me alegrar com o fato consumado na minha frente, mas uma voz começava a se repetir na minha mete: mas a que preço? O saldo da batalha podia ter sido de vitória, porém era longe de ser totalmente positivo. Analisando do ponto de vista estratégico, eu precisava reformular a minha estratégia e tinha deixado metade da minha equipe conhecida, e portanto estava mais vulnerável.
Batalha 02: vs. Dragonair
Clair fez a sua troca de Pokémon de forma rápida e concisa, sem fazer um comentário sequer. Um Dragonair aguardava em campo enquanto eu decidia o que faria a seguir. Qual era a melhor jogada a partir de agora? Atacar ou aguentar até que a Dragonair caia igual a Gyarados? Com certeza eu teria de usar mais itens de cura e afins. Ideias começavam a surgir na minha cabeça.
"Vai Lambão, Cabeçada Zen!"
"Dragonair, Pulso do Dragão!" comandou Clair a sua Pokémon.
Os movimentos não fizeram muito efeito, mas eu não gostava da ideia de deixar Lambão muito debilitado. Chamei-o perto e ofereci outro Leite Moomoo. Assim que voltou a campo, foi atingido por outro Pulso do Dragão, mas pelo menos estava mais recuperado do primeiro ataque.
"Vamos de Surfar!" disse ao Slowbro.
"Pulso do Dragão!"
O Surfar deve ter sido o primeiro ataque em cheio que minha equipe disparou até agora pois uma primeira ruga de expressão surgiu na testa de Clair, o que ocasionou na sua primeira parada para recuperar a Dragonair.
"Lambão, venha cá!" chamei ao meu parceiro. "Quando a Dragonair voltar a campo, acerte uma Cabeçada nela!"
Dito e feito, o Slowbro acertou a adversária no centro de seu corpo. Talvez essa seja a minha chance de conseguir uma abertura. Seria uma estratégia útil fazer Clair gastar seu tempo com itens? O Pokémon perfeito estava em campo, não custava nada tentar.
"Bocejo!" afirmei com animação.
"Pulso do Dragão!"
Com o Bocejo em andamento, precisava de alguém que poderia afetar a Dragonair mais do que Lambão. Athena talvez não seja a melhor escolha, mas os Surfar de Bebê podem dar uma melhorada na nossa ofensiva. Também seria muito interessante aproveitar os efeitos aleatórios de Poder Ancestral em uma luta como essa.
"Volte Lambão, muito obrigado por tudo. Vamos Bebê!"
Esse era o momento de acabar de vez com a Dragonair. Enquanto o inimigo estava dormindo, Bebê se acostumava com o campo e eu decidia os meus comandos com uma certa euforia. Foi no meio da decisão que eu observei a reação de Clair a situação toda: ela estava parada, com os braços cruzados, olhando fixamente para seu Pokémon como se performasse comandos mentais. O olhar não era de alguém que tinha sido encurralado por estratégia ou tinha decidido desistir da batalha. Era a de um general que estava prestes a dar uma bela bronca caso o cadete não acordasse antes de sua paciência acabar.
"Poder Ancestral!" comandei antes que a situação me distraísse.
O ataque foi preciso e acertou a oponente ainda desmaiada de sono. Esse era o momento de focar nos próximos ataques e tentar abrir uma vantagem larga antes da Dragonair acordar. O relógio estava contra e em algum momento ela iria despertar. E foi isso que aconteceu.
"O que é isso? Como isso está acontecendo?" repeti a mim mesma incrédula.
Depois de alguns minutos dormindo, a Pokémon de Clair começou a se sacudir de forma a esfregar sua pele na superfície de metal esterilizado que compunha o campo de batalha de Blackthorn, alternando com movimentos que esfregavam a própria pele em si mesma. Com um brilho azul da cor do tom de pele da espécie, Dragonair se desfez de uma camada externa de escamas que logo foram descartadas de lado e desapareceram.
"Você precisa prestar mais atenção e estudar um pouco antes de tentar me enfrentar menina. Os Pokémon Dragão são mais imprevisíveis que qualquer outro tipo e não é uma estratégia fácil dessas que vai te dar a vitória." Clair respondeu a minha cara de espanto.
Como em um piscar de olhos, a batalha me trouxe de volta ao banheiro do quarto. Quando mesmo estando tecnicamente preparada, eu não tinha controle da minha própria situação. O futuro da batalha me amedrontava.
(...)
Batalha 04: vs. Kingdra
"Bebê! Tome." eu disse enquanto entregava mais uma Hiper Poção a minha equipe. "Você vai entrar daqui a pouco."
"Kingdra, aqui."
Clair fez o mesmo que eu tinha feito durante quase uma hora de batalha. Depois de derrotar quase toda a minha equipe, sua Kingdra abria buracos em defesas que já não eram das melhores. Era a Pokémon mais assustadora que eu tinha enfrentado em todas as minhas andanças pela região. Com o monstro recuperado, a Líder do Ginásio não pouparia nem aqueles que eu trouxe para observar e aprender um pouco. As regras eram claras, todo Pokémon registrado deveria participar da batalha. Por que eu fui tão burra de trazer um filhote que tinha acabado de sair do ovo para observar uma estúpida batalha?
Depois de sofrer tanto, eu até achava certo ter que liberar meus amigos depois desse massacre. Para os mais velhos, a vitória nem seria tão amarga. Se não fosse o pequeno Eevee, estaria em um estado um pouco melhor.
"Pulso do Dragão!" exclamou a treinadora.
Lambão caiu de forma lenta. Seu próximo descanso seria no Poço dos Slowpoke, junto dos seus. Passaria horas e horas dormindo sem ser acordado em um ninho perto da água. Correria perigo sim, mas pelo menos estaria mais forte do que a maioria dos seus inimigos. Protegeria seus filhotes e os ensinaria a nadar de barriga para cima.
"Assuma a posição Bebê" comandei a pequena Pokémon.
Seus olhos continham a determinação que me faltava naquele momento.
"Prometo que vai ser a última batalha, não foi? Não vou exigir mais nada de vocês depois disso." disse com carinho.
A Corsola respondeu com um barulho característico da espécie, e eu conseguia ouvir as palavras formuladas: "Não desista ainda, podemos conseguir isso!". Os papéis já tinham se invertido, era eu que me escorava na força e determinação de meus parceiros.
"Cortina de Fumaça!" comandou Clair.
"Poder Ancestral!" respondi rapidamente.
O golpe de Kingdra fez com que o nosso lado do campo se tornasse escuro por alguns instantes até que a fumaça se dissipou e Bebê conseguiu utilizar o Poder Ancestral. Sem conseguir ativar o efeito bônus do movimento, ordenei um Surfar para conseguir mais dano, porém o oponente rapidamente utilizou seu Hidro Bomba e furou minha última defesa. Mesmo sendo do tipo resistido pelos Corsola, o Hidro Bomba de Kingdra era forte demais para se manter de pé. A pequena Bebê foi jogada para trás com a explosão de água gerada no campo de batalha.
"Pulso do Dragão!" comandou Clair.
Mais um companheiro caído. Bebê poderia descansar agora. Acho que ela gostaria muito de voltar para o mar e aproveitar o Sol no mar raso, sem mais grandes preocupações. Muito provavelmente se tornaria uma espécie de líder para os outros do seu tipo. Ela era tão meiga com os outros e com certeza seria bem justa mediando as disputas nos recifes. E mesmo já me despedindo mentalmente de uma parceira tão querida, eu não conseguia me forçar a tirá-la do campo.
"Vamos logo. Recolha seu Pokémon."
Clair evitava me olhar nos olhos agora, eu já não representava ameaça e nem era mais um divertimento. Não tinha nem a feito suar durante o nosso enfrentamento.
"Mil desculpas pequeno." sussurrei a Pokébola, já na minha mão.
Assistir a derrota de Honra era mais difícil do que tudo que eu já tinha feito. Não demorou muito, logo um Pulso do Dragão tinha sido despachado e eu observava o filhote caindo. Era verdadeiramente uma cena triste. E era tudo culpa minha.
(...)
Depois daquela batalha, demorou um pouco para que eu conseguisse voltar a ser eu mesma. Fiquei em um estado paralelo a realidade por pelo menos 24 horas, que se iniciaram depois que eu me hospedei no mesmo quarto que eu tinha deixado naquela manhã. Para chegar no quarto em si, foram umas três horas passadas no Centro Pokémon tentando remediar o estrago físico da batalha. Entretanto, era um consenso na cara de todos os meus Pokémon que o maior estrago tinha sido mental, e eu fui a que precisava de cuidados. Durante essas 24 horas, não consegui sair de dentro do quarto, fiquei embaixo das cobertas que eu tinha deixado arrumadas na manhã da batalha, indo do sono a momentos acordada e recebendo água dos meus próprios parceiros. Contemplando a minha derrota e o fim de uma aventura. O juramento que eu tinha feito comigo mesma, e com todos que tinham me acompanhado até agora, era que eu não iria forçar a minha jornada depois de uma derrota. Aqueles que fossem derrotados estariam livres para seguir a sua vida nos respectivos lugares de origem. Eu não tinha autoridade de manter eles refém ao meu desejo pelo vida toda. Mas e agora, o que sobrava de mim? O que fica de uma aventura como essa?
Eu me perguntava quais seriam os destinos de seres tão bondosos quanto esses. Me pegava sonhando com um final feliz para cada um enquanto eles cuidavam de mim fazendo barulhos e grunhidos que eu não entendia corretamente, mas que mostravam seu carinho por mim. Tentava me despedir dos rostos, trejeitos e carinho. Menos de três. Existiam três casos em que tentar devolver a natureza não fazia sentido, até porque eles não tinham sido capturados.
Hestia, Leto e Honra eram raros demais para serem soltos em um lugar qualquer. Os três tinham sido presentes de outras pessoas durante a jornada e nem fazia sentido procurar o lugar mais adequado, já que dificilmente eles iam encontrar uma família e provavelmente ficaria sozinhos por aí. E sinceramente, eu não me imaginava vivendo sem Hestia. Não vejo como um impedimento continuar com os três se eles não precisassem batalhar mais. Acho até que minha mãe ficaria feliz de ter os três dentro de casa, mostraria que eu não fui tão depressiva e irracional na minha derrota. Eu ia gostar de ter pelo menos algo mais do que lembranças.
(...)
Enquanto eu me preparava para deixar o quarto, notei que Clair estava se aproximando do lago que ficava atrás da pousada. Depois do lago, segundo a senhora que tinha me atendido no primeiro dia, ficava a Toca do Dragão, um lugar cheio de Pokémon do tipo e onde os anciões do templo de Blackthorn treinavam. Seria ali o meu próximo destinho caso eu tivesse ganhado a nossa batalha? Um sorriso humilde se mostrou e eu me senti aliviada de não ter mais que me preocupar com os perigos que cada lugar ia apresentar.
Voltei a me preparar para a longa viagem a minha frente. Finalmente estávamos todos voltando para casa.
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