#18 Resenha: Pokémon Shield (parte 01)


 Quando eu voltei a esse blog em 2019, e decidi que seria melhor escrever sobre tudo aquilo que me interessasse sem me preocupar com uma categorização rígida do que abordaria, não imaginei que Pokémon se tornaria um assunto tão recorrente. Embora a franquia de captura de monstros seja um dos meus tópicos favoritos, esperava que outras temáticas disputariam de forma mais agressiva a atenção desse pequeno letreiro do Blogger no meio da internet. Isso sem levar em conta a obsessão que é uma nova geração dos jogos eletrônicos, cheia de novidades e esperanças para como se desenvolverá o próximo bloco de jogos. Na forma que se deu o ano, grande parte dos textos tem sido dedicados ao lançamento de Pokémon Sword e Pokémon Shield, os primeiros jogos da linha principal da franquia no Nintendo Switch.

 Tanto esforço foi depositado nesses textos que entendo como necessário um ponto final sobre o assunto. Dessa forma posso tanto partir para novos assuntos como para iniciar novos parágrafos sobre a mesma história. Entre todas as ideias que tive, decidi escrever alguns apontamentos sobre a minha experiência jogando uma das versões (Pokémon Shield, mas que facilmente podem ser aplicado a Pokémon Sword) e relatar os meus pontos altos e baixos ao longo do jogo.

 Antes de começar gostaria de dizer que essa é a primeira vez que eu escrevo uma resenha ou algo do tipo sobre qualquer obra na internet, o que significa que me falta prática nesse assunto. O exercício de escrever ela me mostrou que simplesmente ter opiniões sobre algo não é a mesma coisa que elaborar suas opiniões sobre algo, argumentando sobre o cerne delas, o que já vale como um passo na direção de produzir materiais mais consistentes no futuro. O texto em si pode conter spoilers sobre os jogos (até porque faz pelo menos dois meses do lançamento), mas debater os detalhes não foi o meu objetivo principal.



Parte 01: Impressões Gerais

 Primeiro, Sword e Shield não apresentam enormes mudanças na fórmula de Pokémon como muito se desejava no início do ano passado (quando as comparações com The Legend of Zelda: Breath of the Wild comiam soltas). Esse formato, aclamado e criticado ferozmente entre os jogadores, é o que torna a franquia única, quase que um exemplo digital perfeito de jornada do herói que consiste em uma junção entre o mesmo arquétipo do jogador que sai para conquistar o mundo e qualidades extras que são adicionadas cada vez que se conta a história (e essas melhoram e pioram ao longo de cada título). O papel de Sword e Shield, na minha opinião, foi proporcionar uma transição desse grande mito do herói treinador de plataformas portáteis para um console híbrido. Com esse objetivo em mente, acredito que o papel de Sword e Shield foi cumprido.

 "Ok, mas quais são os diferenciais de Sword e Shield?"

 Bom, uma das coisas que mais me chamou atenção é a racionalização da jornada do herói treinador em Galar. Nessa nova região as batalhas de ginásio são grandes espetáculos esportivos e a forma como o desafio até a Liga acontece remete muito a eventos como a Copa do Mundo ou os maiores campeonatos regionais. Ao longo da jogatina eu senti que não estava atropelando os personagens com a invencibilidade do protagonista, como é mais de costume em outros jogos, mas que a cada batalha vencida eu me distanciava de ser um treinador qualquer (o que também não é o caso, já que o personagem principal recebe pelo menos um pouco de destaque por ser patrocinado por Leon junto de Hop) e me aproximava de uma nova aposta para o título de Campeão. Apesar do maior exemplo disso ser a Team Yell, que está ali exclusivamente como uma torcida organizada para a rival Marnie em contraponto ao papel de outras equipes "vilãs", diálogos com NPCs mostram que Galar inteira torce para os novos treinadores que surgem desse desafio e escolhem os seus favoritos de acordo com o desempenho deles nas lutas contra os líderes.

 Essa sensação de desenvolvimento orgânico era atrapalhada pelo primeiro motivo de desconforto com o jogo: o fato do Experience Share ser embutido na jogatina e não poder ser desligado. Entendo que depois de Pokémon Let's Go seria muito improvável a Game Freak produzir um jogo extremamente difícil pois a questão toda é fazer as novas gerações de público infantil se aproximarem mais da franquia. Entretanto, acredito que a vontade de diminuir a desmotivação de jogadores iniciantes deixando o treinamento mais rápido machuca o potencial do jogo, que poderia ser mais desafiador em outros contextos que não são as Max Raid Battles. Outra coisa que o formato de campeonato meio que estragou foram as revanches da Liga no final do jogo, pois, apesar do final da Copa do Mundo funcionar muito da primeira vez, as animações ficam repetitivas e sem sentido depois que a Liga acaba. Também não existe menção a uma próxima fase da Champion Cup e nem outro desafiante para o posto de Campeão, como em Sun/Moon/Ultra Sun/Ultra Moon, portanto as revanches ficam com um turno a menos de batalha.

 Apesar de eu ter gostado da experiência do jogo de forma geral, precisei me acostumar com algumas escolhas que acredito que serão mais duradoras. Uma delas é a forma como os Pokémon aparecem nas rotas e lugares a se explorar, sendo possíveis dois tipos de encontro: interações com os modelos de Pokémon semelhantes ao jogos Pokémon Let's Go Pikachu e Pokémon Let's Go Eevee, e encontros aleatórios no meio do terreno, estes bem mais raros. Mesmo trazendo um um nível de realidade absurda para os jogos (que foi definitivamente do meu agrado), isso veio com o custo de estragar a surpresa ao se entrar em uma nova rota (e portanto cortou muito a graça de desafios como o Nuzlocke ou Randomizer). Outra mudança que me incomodou muito mais foi a organização de movimentos entre TM e TR. Entre os Technical Machine, itens reutilizáveis capazes de ensinar movimentos a sua equipe, ficaram ataques simplórios e um tanto desnecessários (apenas com alguns destaques que nunca tinham sido disponíveis para muitos Pokémon); já entre os Technical Records, itens de uso único e extremamente raros, ficaram os movimentos mais úteis e fortes do jogo. Nessa situação são necessárias muitas participações em Max Raid Battles (e muitas vezes online, algo que eu comentarei daqui a pouco) para que seja possível juntar uma quantidade e diversidade boa de movimentos extremamente úteis para melhorar sua equipe.

 Justamente a minha maior crítica aos jogos na verdade se relaciona a um desgosto profundo que eu tenho sobre como o Nintendo Switch interage com a internet. Não faz sentido algum na minha cabeça ter que pagar uma assinatura para acessar as mecânicas online de cada jogo. Na minha situação, a falta do acesso ao Nintendo Switch Online torna impossível completar a Pokédex, por exemplo, pois eu não tenho dinheiro para comprar outro sistema e uma cópia de Pokémon Sword só para conseguir esse feito. É simplesmente ridículo como as batalhas e trocas com outros jogadores ficam atrás de uma paywall mesmo com uma conexão perfeita entre o Wi-fi da minha casa e o meu console. Acredito que o serviço seria muito melhor se ele continuasse somente com os outros benefícios do Nintendo Switch Online como a nuvem e a biblioteca de jogos antigos, e deixasse as funcionalidades online de cada jogo funcionarem de graça como em todos os outros consoles da Nintendo.

 Por fim, o último destaque (e um dos únicos sobre a história) é a falta de impacto que o clímax da história têm. Apesar do caminho para a Liga Pokémon ter sido substituído por uma pseudo final de Copa do Mundo, não presenciei a comoção que poderia ser comparável a que acontece no mundo real, e faço essa comparação pois antes o desafiante era um treinador que não tinha suas batalhas televisionadas a toda a região e nem juntava torcedores durante a sua jornada, então a mudança só é passível de comparação com a situação real. Antes, tudo se voltava para dentro e a Victory Road era mais um dos desafio que testava todas as habilidades adquiridas durante a aventura. Quando existe a oportunidade de fazer uma grande capital cheia de espectadores, e várias interações legais entre o treinador e seus admiradores reunidos, só existe uma cena de parabenização simples que não chega nem aos pés da cutscene final de Pokémon X e Pokémon Y, por exemplo. Entretanto, o meu problema não é muito com o espetáculo que acontece em Wyndon (esse até me prendeu a atenção por meio das batalhas e os acontecimentos próprios), mas a falta de animo nos bastidores, onde o jogador ou jogadora é forçado a lutar com diversos treinadores do conglomerado de empresas de Rose (emulando os recrutas de classe baixa das antigas equipes vilãs), depois Oleana e finalmente o presidente da corporação. No final essa parte toda parece só emular elementos antigos sem uma boa contextualização e a narrativa só fica interessante quase na sua conclusão, no discurso que Rose faz para Leon e quando os Pokémon lendários são envolvidos.



Parte 02: Personagens

 Uma parte extremamente importante de toda história são os personagens e Pokémon Shield tem diferentes níveis de intensidade quando se trata de seus personagens. Devido a escolha de movimentar a jornada pelos ginásios, seus rivais se tornam mais importantes para a sua caminhada como treinador e o enfrentamento com eles sempre parece ser inevitável toda vez que eles aparecem na tela (afinal, dentro de um campeonato, eles literalmente são os seus rivais).

 Hop, um dos personagens principais no jogo, teve um dos arcos mais cativantes durante a minha passagem por Galar. Começamos como crianças encantadas por tudo e a cada cidade a confiança de Hop aumenta, tornando-o de certa forma arrogante, até que ele se encontra em um momento bem vulnerável que o faz questionar suas motivações e as decisões que ele toma em sua vida. A importância que o desenvolvimento de Hop tem para a sua própria aventura me lembra como as histórias do herói/heroína de Alola e Lily estão entrelaçadas, e no final parece que nem vemos mais a mesma pessoa.

 Na sequência de rivais, Bede fez um resgate bem interessante dos rivais antigos (aqueles que mereciam um soco na cara depois de algumas linhas de conversa) e se tornou um dos personagens que mais me deixava curioso para acompanhar. Entretanto, eu achei que a ideia dele ser um adversário desafiador ficou comprometida com a facilidade que o Exp. Share trouxe para o jogo. Fora isso, todo o drama de Stow-on-the-side me fez gostar ainda mais da volta de um valentão como ele para os jogos de Pokémon, e só melhorou com a reviravolta da relação entre Bede e Opal (apesar de eu já ter conhecimento de que ele se tornaria o líder do ginásio Fairy antes de começar a jogar). Enquanto acompanhava a história dos dois, pensei que alguma informação sobre o seu passado me faria simpatizar com ele, mas recebi uma das cenas mais incomodas de todos os jogos de Pokémon. Foi ótimo.

 Finalizando os rivais, Marnie me pareceu a mais sem graça no começo da história. Acredito que ter entrado tão tarde na trama da jornada do herói/heroína fez com que ela ficasse boa parte do tempo sendo só a treinadora esquisita que obviamente ganharia relevância depois (afinal, tinha uma equipe que torcia por ela), mas que durante uns bons 5 ginásios ficava só aparecendo por aí. O engraçado é que ela só se torna uma personagem importante quando Bede sai do desafio e estamos nos aproximando de Pikesmouth, o que provocou uma vontade de ver os quatro rivais interagindo entre si durante a aventura. Acabou que nada foi um impedimento para aproveitar o arco de Marnie, já que ele envolve o líder de ginásio Piers e toda a cidade de origem deles. A relação dos dois não é tão problemática quanto pode aparentar (o grande vencedor do prêmio de pior relações interpessoais vai para o Bede mesmo) e é até fofo quando se descobre como eles buscam proteger a cidade de seu abandono.

 Dois personagens extremamente enigmáticos no começo e muito importantes para a trama são Rose e sua assistente Oleana. Quando anunciados, todos os fãs tinham suas suspeitas de que o vilão dos jogos seria um dos dois, porém devo dizer que me surpreendi com a posição final deles na história. Não consegui me afeiçoar por Rose em nenhum momento da história e no final ele representou muito bem o tipo de vilão que se assemelha aos responsáveis dos maiores problemas que temos no mundo atualmente, então até que eu gostei de acabar com ele em uma batalha. Oleana é caracterizada como fria e calculista em todos os momentos que ela aparece em cena (é sempre o mesmo "O Presidente tem mais coisa para fazer"), porém existe um medo constante dela ficar pistola que só entendemos na luta com ela durante o clímax. Ela não é amigável, não representa uma força muito importante durante a história e nem possui uma personalidade extremamente carismática. Entretanto, me simpatizei com ela pois considero-a uma ótima alegoria para a inexistência da neutralidade técnica na sociedade.

 Por fim, o grande trunfo em questão de personagens em Galar são os líderes de ginásio. E eu diria que é uma seleção de dar em inveja em Kalos (que aparentemente é ali do lado). Além de informações muito interessantes e contextualizações importantes presentes nos cartões colecionáveis de cada um, a história do jogo te mostra muito da personalidade dos líderes (de alguns mais do que de outros). Um detalhe muito interessante é a relação que eles tem com o próprio funcionamento da Liga em Galar, o que me fez refletir sobre as pouquíssimas vezes que líderes de ginásio do passados tinham um auto reconhecimento sobre seu papel naquele mundo. Raramente eles indicavam ter conhecimento sobre a trajetória que um treinador faz ao passar pelo desafio até a Elite dos Quatro, geralmente limitados a um simples "o seu próximo desafio é fulano na cidade de tal". Um exemplo dessa agência e que me impactou bastante foi quando os três primeiros líderes (Milo, especialista em Grama; Nessa, especialista em Água; e Kabu, especialista em Fogo) se encontraram com a personagem do(a) treinador(a) e Hop para lhes desejar sorte no resto de suas jornadas. Isso me fez perceber que, em menor ou maior grau, a condição de personagens estáticos no final do ginásio continua a ser superada. Infelizmente isso não acontece com todos eles, como no exemplo dos líderes de Circhester que não aparecem na história e não tem a relação entre si explorada para os jogadores.



Parte 03: Wild Area

 A Wild Area foi considerada o maior diferencial de Sword e Shield durante as primeiras impressões da imprensa, todas matérias e vídeos que eu acompanhei comentavam sobre como esse ambiente era diferente do que estávamos acostumados em relação as rotas entre os centros urbanos das regiões. Agora, meses depois do lançamento dos jogos, eu volto a afirmar que a Wild Area foi um passo e tanto para os jogos de Pokémon. Após a conclusão da jornada do jogador e de Hop, ela realmente se torna o centro da jogatina junto a Battle Tower. Aliás, dentro da história principal a Wild Area parece algo a parte do resto de Galar, mesmo que as outras rotas tentem emular um pouco como ela funcione. Como mundo semi aberto dentro de um jogo de colecionar monstros, ela foi uma das coisas mais realistas e poderia muito bem ser uma ótima substituta a Safari Zone dos jogos antigos. Se aventurar na Wild Area é tão imersivo que no primeiro momento que a sua segunda metade foi desbloqueada eu cheguei a me perder diversas vezes (uma parte da culpa vai para os climas que ainda não me deixam enxergar 1 metro a frente do avatar).

 Os jogos literalmente parecem mudar de sentido dentro da Wild Area, quase toda urgência se dissipa e os acontecimentos mais próximos (como Pokémon fortes e itens escondidos) se tornam mais importante do que derrotar os líderes de ginásio. Existem algumas diversões extras, porém o grande atrativo dela é participar das Max Raid Battles com outros treinadores e tentar juntar os itens que vêm dessas batalhas contra mini-chefões. Ao mesmo tempo que tudo parece distante, se torna agradável observar como a natureza se comporta dentro do mundo Pokémon, algo que só era possível assistindo o anime. Em consequência, explorar todos os cantinhos parece uma tarefa impossível e se torna mais difícil passar por ela quando seu objetivo é juntar Watts o suficiente para conseguir todos os fósseis dos escavadores, comprar coisas para acampar, tentar a sorte com os Wishing Piece, entre outras atividades que requerem coleta dessa moeda.

 Parte de mim acredita que a Wild Area deveria ser o verdadeiro carro chefe nas mecânicas exclusivas de Sword e Shield, mas o desejo de construir um mundo semi aberto parece ter se consolidado nos produtores do jogo. O indício de que as rotas adicionais da Expasion Pass anunciada no começo de 2020 terão as características da Wild Area mesmo em espaço "urbanizados" me faz crer que na verdade ela foi um teste para o futuro dos jogos ao mesmo tempo que uma inovação para o presente.



 Embora faltem alguns tópicos que precisam ser abordados, prefiro concluir essa primeira parte da resenha de forma que o texto não acabe grande e muito difícil de processar. Por fim, gostaria de dizer que Pokémon Sword e Pokémon Shield são jogos feitos em tempos extremamente importantes, com a mudança da plataforma dos consoles e a revitalização da franquia para o público geral pelo sucesso de Pokémon Go, e pelos números alcançados nas vendas de unidades, parecem ter conseguido impulsionar o sucesso de Pokémon. Isso é, parcialmente, o cumprimento da meta básica de qualquer jogo. Mas Sword e Shield fazem mais do que isso. Os jogos tornam o mundo de Pokémon muito mais real com as habilidades do Nintendo Switch sem que a ternura da fórmula clássica se perca.

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